quarta-feira, 26 de março de 2008

Tendências do telejornalismo: se furar a TV, sai sangue

Se furar, espirra sangue...

Programas tradicionais do rádio como a “Ronda policial” ou “A cidade contra o crime’, desde os anos 1960, promovem a felicidade da audiência das emissoras.O jornalismo de sensações, ou jornalismo sensacionalista, com manchetes “desenhadas” com sangue estimulam o deleite do público ávido por novas emoções e revelação de expressões sádicas. É comum ouvir que tal jornal, “se espremer, sai sangue”. Hoje, a programação da televisão brasileira que se autodenomina portadora de certificado de qualidade, pretende camuflar ou fazer a maquiagem do conteúdo popularesco que inspira a pauta de suas edições em apelação, vigorosa e desesperada, no sensacionalismo dos telejornais. Com o advento das novas mídias, os meios de comunicação de massa estão disputando centímetros de leitores ou pontos preciosos na audência para reposicionamento estratégico de mercado. Um desespero nunca visto antes. A ditadura da classe D que, ainda, prestigia a audiência televisiva com olhares submissos e envolvidos nos melodramas mexicanos e brasileiros, promove a volta da programação aos primeiros anos da história da TV, classificada por Sérgio Mattos, no livro A história da televisão brasileira, como a Fase Populista, no período de 1964 a 1975, “quando a televisão era considerada um exemplo de modernidade e programas de auditório de baixo nível tomavam grande parte da programação”. Foram anos de sedução do espectador ao modelo de programação televisiva, inspirada no rádio e com o toque pouco sutil do grotesco que Muniz Sodré definiu como “o signo do excepcional, do mau gosto, do marginal”. Brilharam nesse período Dercy Gonçalves e o seu “Dercy de verdade”, na TV Globo, com as tragédias humanas expostas para cativar audiência. Jacinto Figueiras Jr e seu “O homem do sapato branco”, Sílvio Santos em “Boa noite, cinderela” e Raul Longras exploravam a infelicidade humana. Nos anos 2000 “O programa do Ratinho” reconstruiu esse momento ímpar na TV com seus testes de DNA, anarquia, sadismo, desestruturação da família, pancadas, palhaços e reportagens cujo enfoque jornalístico revelavam caráter duvidoso. Até o asséptico autor Manoel Carlos, em “Laços de Família”, da Rede Globo, usou em sua obra a poção divina do Ratinho, porém glamourizada pelas paisagens do Leblon, a beleza de Vera Fischer e embalada por Tom Jobim. Deu certo: o Ibope respondeu positivamente.
Hoje a juventude se afasta da televisão e busca no computador, cibers ou lans outra opção de lazer ou de estar inserido no mundo, na busca da espetacularização do eu e da possibilidade formidável de gerar conteúdo para a mídia eletrônica. Os programadores precisam manter cativos os telespectadores que, ainda assustados com a novas tecnologias, garantem a vigília da programação. Mesmo a terceira idade está descobrindo, aos poucos, o mundo fascinante, mágico e livre da internet. E aqui a produção da nova programação da TV traz o cheiro do ralo onde os telejornais, as novelas, as atrações de entretenimento e os programas de auditório apelam para o velho e definitivo grotesco promovendo, a cada edição, uma nova enxurrada de crimes, tiros, sangue, violência, acidentes e muita catarse, fenômeno do teatro que significa “a purgação da paixão” que dá ao telespectador a sensação de proteção e alívio quando o mundo lá fora está um caos. É ver o sofrimento do outro protegido no sofá da sala. É o ápice do conforto. No noticiário da TV a epidemia de dengue e as mortes conseqüentes ganham um apelo sensacionalista cruel. Não se vê uma campanha de prevenção ou de esclarecimentos sobre a doença. Só morte e morte. Com direito a obituário eletrônico como nas grandes tragédias mundiais. E reportagens com as famílias das vítimas num apelo de sedação e oportunidade. Os feriados prolongados promovem um festival de imagens de ferros retorcidos e estatísticas apavorantes de mortos e feridos.


Com tanta tragédia explicita nos telejornais, a mídia televisiva garante pontos do Ibope na engrenagem da nova programação, ressuscita velhos mecanismos do tradicional e bom rádio e dos jornais sensacionalistas. Porém, seus apresentadores não conseguem disfarçar o constrangimento de pautar, editar e anunciar tanta notícia apelativa. Ou seja, se alguém furar a televisão, espirra sangue...

Robson Terra

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