A TV brasileira era o altar sagrado onde deuses olimpianos celebravam a submissão de milhões de telespectadores. Acima do bem e do mal impunham à audiência a programação que “bruxos” da criação consideravam conveniente. Por muitos anos deu certo. A TV brasileira alcançou índices estratosféricos no Ibope. Essa estratégia deu tão certo que está mumificada há mais de trinta anos. Poucas são as novidades. Criatividade fragilizada.
O segredo estava no fenômeno da identificação da audiência com a grade de programas que ela não podia escolher e era escolhida. Assistia-se ao que os executivos competentes decidiam nos gabinetes mitológicos. Com as novas mídias o cordão umbilical se rompeu, a audiência pulverizou-se e é preciso buscar o elo perdido, ou pelo menos, segurar, por mais algum tempo, os telespectadores ainda cativos.
Prazer da imitação
Aqui a palavra identificação é a chave para se entender esse domínio sobre a audiência. Vem da teoria psicanalítica como “a forma mais originária do laço afetivo com um objeto”. A chamada “fase do espelho” quando o telespectador se identifica com seu próprio olhar e se sente como foco de representação, como sujeito privilegiado, central e transcendental da visão. É o lugar de Deus, de sujeito que tudo vê e se vê ”.
Ou como citou Friedrich Nietzsche, a identificação é fenômeno dramático fundamental, presente em todas as artes do espetáculo, que é “ver a si mesmo metamorfoseado diante de si e agir agora como se tivesse entrando em outro corpo em outra pessoa”.
Interatividade artificial
O frenesi pela identificação justifica a interatividade excessiva e artificial promovida como isca pelos programas. Está no vídeo do seu filho na TV, sorrindo ou chorando, o concurso do bebê mais bonito, o bola murcha e o bola cheia, quadros como “De volta para casa”, o BBB, no bate-papo com a estrela após a participação no programa, nas perguntas dos internautas respondidas durante o futebol ou transmissão do carnaval, do fã de carteirinha ou o slogan “A gente se vê por aqui” e outros. Interatividade a todo custo para manter cativa a audiência.
A novela “Três Irmãs” busca essa identificação com estrelas do horário das oito. Para trazer os jovens de volta para frente da telinha ao mundo do surf se juntam mocinhas e garotos, um festival de pranchas e equipe especializada em filmagens nas ondas. Ao mesmo tempo busca reforço no elenco maduro e situações já vistas destinadas ao público mais velho.A personagem de Regina Duarte é a mistura de Mary Poppins (do cinema) com a antológica Viúva Porcina, com o mesmo sotaque e menos histeria.
O público da TV “se identifica por simpatia a este ou àquele personagem em virtude de seu caráter, de seus traços psicológicos predominante de seu comportamento geral, assim como na vida sentiríamos simpatia por alguém, devido, acredita-se, à sua personalidade”.
Malhação, Malhação e Malhação
A TV tem grande capacidade de mudar a embalagem do mesmo produto e talvez esteja aqui o segredo do seu sucesso ou da fuga da audiência que já não suporta ver o mesmo enredo repetido eternamente com o rodízio de personagens/atores. Se as pesquisas sobre fuga de audiência revelam o jovem como vilão, que após a “Malhação” foge para a Internet, a saída foi criar a “Malhação” das seis, a “Malhação” das sete. Após o Jornal Nacional tudo está mais ou menos garantido. Por enquanto...
Encerrando com Roland Barthes: “Devoro com o olhar qualquer rede amorosa e nela detecto o lugar que seria meu se dela fizesse parte”.
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