quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Metáfora do Brasil: eleição Lady Kate


Personagem de Zorra Total a hilária Lady Kate, da atriz Katiuscia Canoro, é a sátira e o reflexo do país recente, e de sempre, das eleições negociadas, da fachada, do pendirucalho, do simulacro e do artificialismo, do mais que ter é preciso parecer que tem. O bordão Tô pagaaaaano é a tradução da fase chamada pós-moderna. quando, após a dominação da economia sobre a vida social, alterou-se a definição da realização humana do ser para o ter. E segundo Debord, na sociedade do espetáculo, o ter desliza para o parecer. Isso.Todos precisam parecer que têm. E, às vezes, nem pagam por isso... Mesmo sufocado nos juros do cartão de crédito e o nome no SERASA. Ou na inadimplência com a escola onde o filho recebe educação. Do vazio que se perpetua pela estética sofisticada sem o mínimo de sustentação.

Alegoria e fetiches

As falas do repertório de Lady e sua turma reforçam a máscara social onde é preciso manter a aparência da vida para chegar ao hight society. O mito da ascensão social é um dos pilares da indústria cultural para cativar audiência. Literatura, novelas, quadrinhos, filmes, romances estão recheados de boas histórias sobre o mito de Cinderela. Os artificialismos estéticos fazem da personagem a alegoria ou bazar, a árvore de Natal ambulante a serviço do deboche, irreverência e massacre social que a personagem escancara. Apoiada por marqueteiro afetado e de peruca também é financiada pela prostituição e o senador! Ah, o senador...Esquece o senador. Não.

Alô, Bebel...minha pima!



A atriz é grata revelação no humor da TV. Katiuscia Canoro tem 29 anos, nasceu em Curitiba (PR) e foi criada no Rio de Janeiro. Atua há 16 anos no teatro, como profissional. Dos novos talentos femininos a revelação do humor traz o vigor e a histeria positiva ao gênero que Consuelo Leandro, da melhor safra de atrizes cômicas brasileiros, era a maior referência e deixou a lacuna sem preencher. Lady Kate vem do teatro com o personagem que caiu no gosto da audiência, pois todos nós, mesmo sem dinheiro, sobrevivemos pagando, pagando e pagando. A letra da canção de Sílvio Brito, que todos juram que é de Raul Seixas, já detonava nos anos 70 “tem que pagar pra nascer, tem que pagar pra viver e tem que pagar pra morrer”.

Os novos tempos, representados nas perucas, jóias, bolsas, roupas brilhantes e cenários sofisticados de Kate, ressaltam as palavras-chave do novo tempo: narcisismo, celebridade, esnobismo, fama, notoriedade e hedonismo...E o Salsichão personifica o povo brasileiro subalterno, conivente, refém econômico, serviçal e incompetente aos olhos do patrão e protegido aos olhos da corrupção, da parceria de Kate na casa de madame Sofia, o prostíbulo onde ela conheceu o senador...Esquece o senador. Como esquecer o senador?

Grana eu tenho, só me falta-me o gramour!

O saudoso Fausto Wolff, em artigo de abril, lamentou que só terá interesse o que der lucro. Os artistas e humanistas serão derrotados pela lucratividade. E o que Lady Kate traz como escudo? Não tem coração, informação, nem alma: só moedas na bolsa. O senador, mantenedor da emblemática personagem, aumenta sua conta bancária ao se perpetuar no cargo e fazer do voto mercadoria. Os românticos ainda tentam ganhar eleições com trabalho, projetos e ideais. Morrem na praia. Na recente “Eleição Lady Kate” venceu o tô pagaaano. Pagar garante votos decisivos e o Natal fora de época do miserável do bolsa família. Garante o presente por algumas horas. Promove o atraso social e os desvios de propostas de evolução. Salsichão continua desempregado,

Lady Kate carismática, ferina, cínica, autoritária, poderosa e vazia, reforça o desabafo de Fausto Wolff: “A televisão, em vez de humanizar o homem, o cretinizou, o condenou a um lugar abaixo da mediocridade. Não é à toa que Lee de Forest, ao descobrir como estão explorando o seu invento, se suicidou”.

_Tá bom assim?
_ Tá bô, tá bô,,tá bô... quer dizer, bô, bô, tá não
trong>

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Close-up: íntima relação


A técnica do close-up criada por David Griffith reduziu os exageros interpretativos e teatrais utilizados pelos atores do cinema dos primeiros tempos.
O close-up reforça a cena dramática tensa onde as emoções são concentradas no mapa de linhas, traços e desenhos do rosto do personagem elemento fundamental da dramaturgia da tela, seja TV ou cinema, expõe tensões e sentimentos da psicologia do personagem na narrativa. A novela “A Favorita” usa e abusa do recurso cinematográfico para expor as canalhices de Flora e seus folclóricos amigos vilãos e a inocência dos pobres enganados na falange do bem: a família do empresário Gonçalo.

O big close-up da tela cheia, inteira, é quase o espelho dos sentimentos da ação expondo ódio, cansaço, intenções ocultas, dores, prazer ou doenças. Está definitivamente marcado nos momentos mais tensos da ação. É diálogo sem fala.

Mas o que consegue o close-up?

Segundo Erwin Panofsky “ao nos mostrar em ampliação, o rosto do que fala ou dos que ouvem, ou ambos, alternadamente, a câmara transforma a fisionomia humana num imenso campo de ação onde – conforme as qualificações dos intérpretes – cada movimento sutil das feições, quase imperceptível a uma distância natural, se transforma num acontecimento expressivo no espaço visível e por conseguinte integra-se completamente ao conteúdo expressivo da palavra falada...”

A tela pode transmitir os sentimentos e sensações. O enquadramento do rosto exige dos atores a representação contida e centrada na emoção interior. Como um pintor que desenha sem pincel de dentro para fora, da alma para o mundo exterior, com seus comunicantes cinestésicos, dos sentidos, comunicando direto ao olho do telespectador. Como um outdoor que sobrepõe ao transeunte a imagem gigante e sufocante para que a mensagem ou estado de emoção seja percebida rapidamente pelo destinatário.

Pregador da verdade

O close permite ao telespectador o contato com a interpretação do ator através do ângulo de significação que transmite emoção e prazer estético do personagem dramático. Para os atores o desenho psicológico da cena exige uma interação consciente de todos os músculos para a expressão facial plena e cheia de significados. Aqui o olho como espelho da alma ganha a dimensão do céu com seus anúncios de mudanças de tempo como a noite, o dia, o raiar do sol, a nuvem escura ou temporal com faísca. O cineasta russo Sergei Eiseinstein, pai da linguagem audiovisual moderna, classificou o close como o pregador da verdade.

Para o intérprete o close-up permite ser deus na construção do universo da alma. O telespectador consegue ver através dos olhos algo que não está na telinha. E apoiado nos elementos estéticos da edição que acompanham a imagem: ruído, diálogo, música e cor. O close-up cria os simbolismos e sua utilização correta e pontual não deixa cair a edição num truque artificial de emoções por segundo que pode se tornar um chavão. As imagens contém algo mais do que a simples comunicação, isto é, quando significam mais que relações ótico-espaciais na procura de íntima ligação com o telespectador.