sexta-feira, 22 de maio de 2009
Para desengessar o telejornal
Há poucos dias, o Jornal Nacional, oráculo do povo brasileiro há quarenta anos, além das notícias, traz a novidade do papo amigo entre William Bonner, Fátima Bernardes e o telespectador que o apresentador mesmo definiu na polêmica reunião com professores de comunicação, em 2005, quando comparou o Homer Simpson ao espectador padrão do noticiário, que adora ficar no sofá comendo rosquinhas e bebendo cerveja. É preguiçoso e tem o raciocínio lento. Depois dos ditos e desditos da polêmica entre o jornalista e o professor que escreveu o artigo "De Bonner para Homer", reproduzido no Observatório da Imprensa,parece que o espectador ganhou disputa.
Durante anos, a postura dos apresentadores do telejornal mais visto no país foi engessada. Tradicional como o noticiário de rádio, era interpretado com inflexões, pausas interpretativas e frases de efeito. Os manuais de telejornalismo recomendam que "o locutor converse com o telespectador" ou "é como se a gente abrisse a janela e contasse para o vizinho a novidade do dia". Outros telejornais já procedem assim. O Jornal da Globo utiliza a fórmula "papo de fim de noite" há alguns anos.
No "Jornahoje", como os dois apresentadores – a excelente dupla Sandra Annenberg e Evaristo Costa – pronunciam, a liberdade na transmissão das notícias é tão grande que se tem a impressão que qualquer hora vão brincar de roda em cima da bancada. Risos, perguntas indiscretas, mais risos e brincadeiras com alguns temas. É a desconstrução total da seriedade que sempre envolveu a linguagem jornalística do rádio e TV, que tinha na postura eclesiástica de Cid Moreira o modelo brasileiro de ler notícias na TV. Justiça seja feita, foi Leda Nagle, no mesmo Jornal Hoje, nos anos 1980, quem ousou romper com o tradicionalismo na leitura de notícias.
Ruptura dos códigos simbólicos
No JN, a estratégia busca resgatar ou manter cativo o espectador que abandona o consumo de notícias reafirmando a tendência contemporânea de fascínio por outras mídias. Mas a falta de hábito ou intimidade dos jornalistas com os arranjos da performance, ornamentos da palavra das relações combinatórias dos textos de ontem com os de hoje provoca saia justa na telinha da Globo. São visíveis e divertidos os constrangimentos ou falta de sintonia no "ao vivo" das últimas edições. São pérolas de "falha nossa" que nunca irão para o Vídeo Show. Foram anos de palavras, gestos, movimentos precisos e sincronizados em segundos e de relação com o sagrado que ganham nova dimensão e perspectiva na produção de conteúdo e credibilidade do informativo.
Volta, aqui, o filósofo russo Mikhail Bakhtin e sua percepção carnavalesca do mundo. Segundo Artur Roman (1993), "destila-se da obra de Bakhtin uma profunda crença na solidariedade como condição para o homem realizar-se como sujeito de sua história. Percebe-se a proposta da `abolição de todas as distâncias entre as pessoas´ através da familiarização carnavalesca, efetivada nas relações dialógicas". Assim, o JN se rende e vai buscar a solidariedade com o espectador, com comentários, gracinhas e pitacos antes só permitido a âncoras como Boris Casoy ou o anárquico Ratinho.
Com as inovações na postura comunicacional, o JN revela nova gramática de informação, gestual e verbal, diminuindo a hierarquia entre emissor e receptor. A ruptura dos códigos simbólicos do jornalismo da Globo, que tinha no noticiário a principal referência, é a tendência de sobrevivência e resgate da audiência. Um produto que renova seu ciclo de vida para manter a atenção. William Bonner já está mais solto, porém Fátima Bernardes precisa acreditar mais na idéia e como editores refletirem sobre os perigos da credibilidade da notícia após quarenta anos de fórmula cristalizada.
domingo, 3 de maio de 2009
sábado, 2 de maio de 2009
Arca de Noé e TV Digital
Arca de Noé e TV digital
A interação com o telespectador, ouvinte ou leitor é objetivo da comunicação mediada. Desde a contação de histórias e lendas, na transmissão oral, antes do Renascimento, com mistérios segredados aos ouvidos, ou após a descoberta da escrita com a prensa de Gutenberg, a chegada do telefone, do telégrafo - considerado pai da web - passando pelo rádio, TV, cinema e agora na convergência das mídias onde todos os discursos se misturam através da eletrônica, resiste a parceria do emissor com o destinatário da mensagem.
Se um veículo exige o isolamento de determinado sentido como o rádio exige o ouvido, a TV o olhar e audição, a imprensa a visão, a era da cibernética integra o homem com sensibilidade total para a chegada do espaço cultural novo que assusta e faz tremer colunas hegemônicas de controle da informação, produção de conteúdo e faturamento publicitário.
Todas as tribos
Até o conceito de tribalização esquecido desde o surgimento da imprensa é redescoberto com a citação de Fedro de que “o homem moderno, desde os descobrimentos eletromagnéticos de há mais de um século, está-se cercando de todas as dimensões do homem arcaico positivo” e o encontro das tribos é festejado nas comunidades, blogs, fóruns de relacionamentos. A comunicação mediada está afetada por novos procedimentos e rituais de encontro e participação efetiva que o mundo digital permite na “retomada de uma convivência orgânica, tribal”.
Nessa corrida para a luz mágica salvadora da tela vive-se o desprezo por Gutenberg com a crise sem precedentes para os produtores de informação impressa. Nas bancas de revistas o leitor faz o “zapping impresso” nas edições multicoloridas de centenas de capas que perseguem o cliente apressado que apenas olha tanta notícia. O dilúvio se avizinha.
Cultura do fã
Em entrevista publicada na Gazeta Mercantil, Marcelo Coutinho analisa o perfil do casamento da internet com o setor de mídia. Diz que as pessoas preferem interferir, interagir com o conteúdo de alguma maneira. Cita o pesquisador Henry Jenkins que chama de “cultura do fã”. Ou seja, a idéia ou conteúdo veiculado tem calda longa, pois as pessoas continuam a discutir o assunto por semanas ou meses na medida que a web permite a citação, interferência e opinião. E aí cita o mapa do tesouro do mundo digital; “as transformações do mundo digital são poderosas porque elas vêm do consumidor”. Começa a clarear o novo dia no dilúvio midiático que pode afogar empresas e salvar outros preferidos do público na arca de Noé do novo século que a revolução digital promove.
Recepção e diálogo
O esclarecimento do fascínio de tanta participação – a interatividade digital – pode ser contemplado na obra do pensador russo Mikhail Bakhtin (1895-1975) que durante oitenta anos pesquisou a alma dos falantes. Bakhtin defendia que a comunicação é atividade vital, produto da atividade humana e o meio de organização de sua consciência. Preconizou que o receptor não é passivo como lemos tantas vezes, que todo discurso é um diálogo vivo e orientado para a resposta e ele não pode esquivar-se da influência profunda do discurso da resposta antecipada. Afirmou que “onde existir o homem existirá o dialogismo” que hoje revoluciona as interações sociais imediatas no universo digital. Que as relações dialógicas orientam todas as relações e manifestações da vida humana.
As disputas entre os poderosos da comunicação pelo controle de produção de conteúdo no mundo digital, movimenta o noticiário especializado e não deve se transformar em novo castigo inspirado na lenda de Noé. Que entrem todos, em fila, na arca de Bakhtin e se salvem do dilúvio da nova era.
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