sábado, 2 de maio de 2009

Arca de Noé e TV Digital


Arca de Noé e TV digital

A interação com o telespectador, ouvinte ou leitor é objetivo da comunicação mediada. Desde a contação de histórias e lendas, na transmissão oral, antes do Renascimento, com mistérios segredados aos ouvidos, ou após a descoberta da escrita com a prensa de Gutenberg, a chegada do telefone, do telégrafo - considerado pai da web - passando pelo rádio, TV, cinema e agora na convergência das mídias onde todos os discursos se misturam através da eletrônica, resiste a parceria do emissor com o destinatário da mensagem.

Se um veículo exige o isolamento de determinado sentido como o rádio exige o ouvido, a TV o olhar e audição, a imprensa a visão, a era da cibernética integra o homem com sensibilidade total para a chegada do espaço cultural novo que assusta e faz tremer colunas hegemônicas de controle da informação, produção de conteúdo e faturamento publicitário.

Todas as tribos
Até o conceito de tribalização esquecido desde o surgimento da imprensa é redescoberto com a citação de Fedro de que “o homem moderno, desde os descobrimentos eletromagnéticos de há mais de um século, está-se cercando de todas as dimensões do homem arcaico positivo” e o encontro das tribos é festejado nas comunidades, blogs, fóruns de relacionamentos. A comunicação mediada está afetada por novos procedimentos e rituais de encontro e participação efetiva que o mundo digital permite na “retomada de uma convivência orgânica, tribal”.

Nessa corrida para a luz mágica salvadora da tela vive-se o desprezo por Gutenberg com a crise sem precedentes para os produtores de informação impressa. Nas bancas de revistas o leitor faz o “zapping impresso” nas edições multicoloridas de centenas de capas que perseguem o cliente apressado que apenas olha tanta notícia. O dilúvio se avizinha.

Cultura do fã

Em entrevista publicada na Gazeta Mercantil, Marcelo Coutinho analisa o perfil do casamento da internet com o setor de mídia. Diz que as pessoas preferem interferir, interagir com o conteúdo de alguma maneira. Cita o pesquisador Henry Jenkins que chama de “cultura do fã”. Ou seja, a idéia ou conteúdo veiculado tem calda longa, pois as pessoas continuam a discutir o assunto por semanas ou meses na medida que a web permite a citação, interferência e opinião. E aí cita o mapa do tesouro do mundo digital; “as transformações do mundo digital são poderosas porque elas vêm do consumidor”. Começa a clarear o novo dia no dilúvio midiático que pode afogar empresas e salvar outros preferidos do público na arca de Noé do novo século que a revolução digital promove.

Recepção e diálogo

O esclarecimento do fascínio de tanta participação – a interatividade digital – pode ser contemplado na obra do pensador russo Mikhail Bakhtin (1895-1975) que durante oitenta anos pesquisou a alma dos falantes. Bakhtin defendia que a comunicação é atividade vital, produto da atividade humana e o meio de organização de sua consciência. Preconizou que o receptor não é passivo como lemos tantas vezes, que todo discurso é um diálogo vivo e orientado para a resposta e ele não pode esquivar-se da influência profunda do discurso da resposta antecipada. Afirmou que “onde existir o homem existirá o dialogismo” que hoje revoluciona as interações sociais imediatas no universo digital. Que as relações dialógicas orientam todas as relações e manifestações da vida humana.

As disputas entre os poderosos da comunicação pelo controle de produção de conteúdo no mundo digital, movimenta o noticiário especializado e não deve se transformar em novo castigo inspirado na lenda de Noé. Que entrem todos, em fila, na arca de Bakhtin e se salvem do dilúvio da nova era.

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