quarta-feira, 30 de julho de 2008

Das maneiras de entender o zoológico na TV




A TV está prestigiada com programas da vida no campo. E do mundo selvagem. O “Globo Rural” é referência do assunto nos domingos pela manhã com matérias didáticas e prodigiosamente elaboradas. Promove uma volta às origens rurais de brasileiros que vivem nas cidades grandes, mostra os que labutam no campo ou aqueles que estão voltando para o interior, conforme notícia dessa semana. A folclorização da vida do interior representa uma saturação do modelo da polis que prometia o futuro promissor e definitivo.

Atrações como “Pantanal”, “Late Show”, “Globo Repórter”, os bichinhos no palco do Faustão, no Gugu, a Belinha do “Mais Você”, os leilões de gado e programas de agronegócios enfim a composição do zoológico no circo eletrônico motiva audiência, business e emoções. Proibidos no picadeiro tradicional, por causa dos maus tratos, os animais têm trânsito livre na televisão. Dificilmente a novela não tem um mamífero que amplia o sentimentalismo e abocanha a simpatia de telespectadores que, sabiamente, amam os bichos.O saudoso “Mundo Animal” foi pioneiro na utilização dos irracionais na tela. Encantava a série com leões, tigres, zebras e elefantes em seu habitat natural. As mosaicas edições do “Globo Repórter” incorporam efeitos de edição, de última geração, para realçar o espetacular da vida selvagem, rural, lugares exóticos, mundos desconhecidos e aves raras.Nada mais belo que o ataque do leão, em câmera lenta, com a juba em movimentos sensuais, e a plumagem colorida de um pássaro desconhecido. Um alívio perceber o mundo sem a velocidade do trânsito, rodízio de placas, bichos de pelúcia, pirataria do Paraguai ou chaminés de São Paulo.

A venda do modelo de felicidade, harmonia e tranqüilidade dos programas podem representar o conto de fadas contemporâneo, um bálsamo em tempos de aquecimento global, volta da inflação ou como classificou o mago da análise da TV, Artur da Távola, “por um relacionamento de natureza emotivo-artística com as necessidades do receptor... sejam elas cultas, incultas, instintivas, folclóricas, “kitsch” ou de qualquer outra natureza”. Ou seja, de segunda a sexta-feira a vida é um inferno. Depois das nove da noite e, aos sábados e domingos, até a hora dos “Fantásticos”, a vida é sonho. Não tem programação com tensão. Só ”A Favorita”. Não será um ponto favorável da reprise de “Pantanal”? Se a Globo excita com Donatela & Cia, o SBT relaxa com a bela música e banhos de rio de Juma Maruá. Daí para a cama é um pulo...Um sono perfeito.

O estímulo ao êxodo rural, nos anos 1960, promoveu um processo de urbanização perverso, com a descaracterização e desorganização dos sentido e existência da população rural brasileira. Morreu o Jeca Tatu de Monteiro Lobato. Na cidade perdeu-se a identidade, virou-se um número, o chamado CPF, o desemprego sufocou, marginalizou e a saudade das origens e a solidão urbana continuam a perturbar o sono. Segundo Edgar Morin, o papa de todos nós, “a cultura de massa promove a desagregação dos elementos arcaicos da festa. Reunião de vizinhos, parentesco e amizade não constituem mais relações de proximidade. Com a aglomeração urbana com a indiferença quanto à identidade e origem das pessoas o ser humano busca uma reação contra um universo abstrato, quantificado, objetivado, fazendo uso de um retorno às fontes primeiras da afetividade. As atividades e lazer voltam-se para o homem arcaico que cada um traz dentro de si.” Novelas como “Cabocla”, “Pantanal” e o núcleo interiorano de “A Favorita” são chicletes para os olhos. A trilha sonora com clássicos sertanejos completa a harmonia do quadro.

Assim o homem arcaico precisa reencontrar a memória perdida, respirar o “ar puro” televisivo que lhe resta, renascer com a evocação do passado ou sensações que podem ser de grande utilidade no presente como suporte para o existir. Buscar raízes sólidas na relação com o mundo. Na tela da TV os animais, em paisagens plácidas, ensinam, em Cyrulnik, “que o mundo dos homens, embora sujeito a um constante processo de criação, permanecerá sempre por inventar. É neste trabalho de invenção que reside a nossa transcendência e a nossa inclinação para a loucura. Esta é, talvez, o preço da nossa liberdade.”


Comentário do acadêmico de Comunicação Aurélio de Freitas

Aurélio de Freitas

O Professor Robson Terra fala muito bem que depois do êxodo rural de 1960, os cidadãos perderam suas identidades, passando a ser respeitados e procurados por um número. Verdade. No fundo o que não se perdeu e que está sendo resgatado pela TV atualmente é a identificação com o rural.

O zoológico da TV não se restringe apenas a animais, mas sim a uma imensa floresta, de biodiversidade sem fim. Resgatar ao telespectador, a todo o momento com pequenos detalhes, essa identificação com uma realidade perdida, seja por cada um ou por algum de seus pais e avós, é uma forma de reconstruir, mesmo que inversamente, o sonho de deixar o campo e viver na metrópole, buscando a vitória. Hoje, o que mais se procura não é a simples vitória da ascensão financeira e profissional, mas a vitória do sossego.

Como muitas vezes esse resgate não é possível pela dependência ao asfalto, a solução é mergulhar no mundo fictício da realidade rural que é explicitamente ou semióticamente apresentada a todo o momento pela TV.

Quando nos entregamos às demonstrações rurais da TV, não estamos fazendo nada mais do que fugindo de uma realidade da qual nós mesmos escolhemos participar. O medo de cada um se confronta com a realidade, a solução aí é mais uma vez sonhar com o retrocesso ao “mundo animal”.

Mazzaropi ao representar Jeca Tatu, demonstrava cansaço do trabalho e da vida, dificuldades de uma realidade dura, mas nas suas apresentações não se via o medo da saudade. Não havia o medo de sentir que uma realidade foi perdida, não se via a fuga. Talvez porque naquele tempo encenado a TV não era sua realidade, mas sim os animais... o mato.

Para nós, pertencentes à era da tecnologia e TV, o descobrimento do novo não assusta tanto como antes. Afinal, só se sente saudade daquilo que já se teve e perdeu. A TV executa seu papel “brilhantemente” fazendo que mesmo sem que alguns tenham vivido em um mundo, ou participado de uma realidade criem uma relação com o mundo por ela apresentado. A TV não faz nada mais além do que alimentar a saudade e nos viciar em seu círculo de informações.

2 comentários:

Unknown disse...

oi robsn, tudo bem?

fiz diumtudo para postar no seu orkut, mas não consegui.

em uma superfaxina aqui em casa, achei três fotos queridas suas, de sia infância e adolescência, qu ehavia "perdido" em matéria para a tribuna.

sei que vc ficaria muito feliz em revê-las. gostaria de enviar para a sua casa em juiz de fora, por favor me mande o endereço para meu mail, moreirademais@gmail.com

espero que esteja tudo bem contigo ;) beijos

fabiano moreira

Carol Peralta disse...

Ótimo texto, complementado muito bem pelo Aurélio!

O que buscamos nesses programas, como Pantanal, Cabocla... é, na maioria das vezes, essa beleza natural como vcs disseram muito bem, vista nos animais e na natureza e que foge a nossa realidade diária, coberta de tecnologia, asfalto, barulhos, e cada vez menos presença de belezas que não são fabricadas.

:) Parabéns para o Robson pelo blog, e pelo texto excelente! E para o Aurélio, talentoso e claro no comentário!

Beijos!