segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Robson Terra e José Eduardo Arcuri comemoram 40 anos de teatro e relembram momentos dentro e fora da cena



O feijão e o sonho

Texto Rapahela Ramos, Tribuna de Minas, 15.11.2011

Enquanto narra sua travessia teatral, o professor e diretor Robson Terra parece atracar-se com o tempo. Como os dias puderam passar tão depressa, deixando fresca na memória a imagem do menino magro que veio de Chácara? São 40 anos de dedicação ao ofício da cena, iniciados ao lado de José Eduardo Arcuri. Os atores foram os primeiros a chegar ao Forum da Cultura, sede do Grupo Divulgação, naquele 25 de outubro de 1971. Com expectativa e esperança nas malas, guardavam, em compartimentos escondidos, características muito próprias. "Somos as duas máscaras", define Terra, mais ligado à comédia e às questões práticas da vida artística. Arcuri, afeito ao drama, possui visão romântica da profissão. "Estou sempre à espera de um novo projeto que me satisfaça ainda mais. Isso paira no ar", comenta, capturando na literatura outra síntese para a dupla: "o feijão e o sonho".

Até então, os dois artistas não se conheciam, mas já acalentavam, cada um a seu modo, o desejo de subir ao palco. Arcuri, 61 anos, adiou a ideia o quanto pôde, por medo de se decepcionar consigo mesmo. "Acabei sendo levado por uma atriz, esposa de um professor de alemão", conta. Segundo Robson Terra, a voz do tímido amigo logo chamou a atenção de José Luiz e Malu Ribeiro, referências intelectuais do Divulgação. "Naquele momento, me tornei fã do Zé Eduardo." Por ter começado mais novo, com apenas 17 anos, Terra ainda tinha o corpo em formação e precisou enfrentar obstáculos. "Passei a afiar a criatividade e a usá-la como instrumento de superação", menciona, aos 57 anos. A estreia dos jovens aconteceu no Rio, na Lapa, diante de Paschoal Carlos Magno.

O espaço teatral, que se esticava para a vida política e pessoal, influenciou de muitas maneiras os dois mineiros. Foi ali, entre textos reprimidos e mensagens nas entrelinhas, que eles tomaram para si um olhar questionador. De acordo com Arcuri, o Divulgação funcionou como um local de resistência e protesto, tendo sido escola para muitas personalidades, como Leda Nagle e Lucy Brandão. O ator destaca que Ribeiro sempre soube escolher a dramaturgia certa. "Estávamos no auge da ditadura e tínhamos censores nos ensaios. Exatamente por isso sabíamos ir além", analisa, lamentando apenas não ter montado "Marat/Sade", de Peter Weiss, retalhada pela censura.

Terra ressalta a força que o grupo transmitia para cada integrante, muitos deles, estudantes que moravam longe dos pais. "Lembro-me dos saraus na casa do Zé Eduardo, o único que tinha TV colorida." O diretor observa ainda que, apesar da saudade da família, valia a pena passar os feriados em produção, sem sair do teatro. Para ele, o prazer da estreia compensava qualquer renúncia. "Naquele período, a arte era feita com mais alegria. Nossa sensação era de celebração", diz, acrescentando que se emociona ao sentir o cheiro do Forum da Cultura.



Caminho bifurcado

Arcuri instigou o interesse de Terra pela comunicação, presenteando o amigo com um livro sobre o assunto. Os dois cursaram jornalismo, mas partiram por estradas diferentes. Depois de 12 anos no Divulgação, Arcuri transferiu-se para o Rio. "Tinha esse sonho, mas não me joguei por inteiro. Preferi voltar." Em paralelo, Terra decidiu colher os frutos e capitanear produções profissionais, confiante no mercado local. Acabou montando "Apareceu a Margarida", de Roberto Athayde, no seu repertório até hoje. Recheados por leituras e experiências dos longos processos criativos de José Luiz Ribeiro, os artistas se arriscaram em experimentações numa cidade considerada careta. Arcuri esteve, entre outras, em "Bella ciao", de Luís Alberto de Abreu, e "Pela noite", de Caio Fernando Abreu.

Na década de 1990, segundo Terra, o teatro local borbulhava. Certa vez, ele contou dez peças em cartaz, todas lotadas. Depois veio a internet, e o cenário se transformou. "Atualmente, cada pessoa faz seu próprio espetáculo", compara o diretor, salientando que o esvaziamento de reflexões chegou às artes cênicas. Arcuri concorda, asseverando que o público contemporâneo, de modo geral, parece querer ver apenas o que já conhece. Não à toa, Robson desbravou novo território: o teatro infantil, sem depender de patrocínio. Visitando escolas da periferia, ele chega a fazer 150 espetáculos por ano. Da cartola, pode tirar dez produções prontas. "Quem me ensinou isso foi a Malu (Ribeiro)." Às vezes, o diretor reclama de tanto trabalho. O companheiro de ofício brinca: "mas você quis isso a vida toda".

Curiosamente, a dupla não voltou a entremear as carreiras, apesar de algumas tentativas. Na história, ficou bastante marcado o encontro em "O beijo no asfalto" (Nelson Rodrigues), ainda no Divulgação, peça na qual eram antagonistas. Os atores, porém, produziram muito separadamente. Hoje, José Eduardo Arcuri resolveu fazer uma pausa, mas continua alimentando ideias que deseja ver prontas. Sempre que podem, os dois assumem a cadeira de espectador. Embora citem montagens interessantes, atestam que o cardápio teatral poderia ser mais farto por aqui.

Mesmo depois de 40 anos, o "friozinho" na barriga aparece na beirada da cena. Para um ator - dizem os comparsas -, o desafio é diário. Mas de reviravoltas os dois entendem bem. "Sempre fomos muito atrevidos", garante Arcuri. Tanto que, nos alçapões das memórias teatrais, a dupla guarda variada coleção de feijão e sonho.

Robson Terra e José Eduardo Arcuri

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