quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Síndrome de Albertinho Limonta e “neotelevisão”


Guy Loup, Amilton Fernandes e Nathália Timberg

"Tudo esquecido, desaparecidas as desavenças, a família unida: um aperto de mãos, que é ao mesmo tempo perdão e um abraço filial em quem tanto sofre"

A novela da TV é para emocionar e vender sabão em pó. Desde os folhetins dos jornais que narravam as aventuras de Rocambole, que a vovó leu e contava aos netos, às novelas da Rádio Nacional, “soap opera”, que fizeram história no entretenimento dos anos 40 aos 70, a trajetória dos heróis tece labirintos de sonhos, contos de fada, filmes, medos, procuras, descobertas, mistérios, amores proibidos e adaptações da mitologia ao estilo brasileiro.

Com técnica de exportação a novela brasileira é reconhecida e consumida no mundo inteiro. Competência de criação, conteúdo e forma fisgaram, por muitos anos, o telespectador nativo crítico que, agora, não se satisfaz com qualquer trama das seis, das sete e das oito. O desespero de autores, que pouco se renovam, em busca de pontos preciosos no Ibope promove o choque entre o mundo algorítmico, das coisas práticas, ligado a audiência e faturamento, com o universo da heurística, do mundo da fantasia.

Filhos perdidos na audiência

O mito telenovela sofre saturação da fórmula, como aconteceu na novela do rádio. O mito ainda sobrevive, conforme Joseph Campbell, “da metáfora de um mistério além da compreensão humana”. Assim, no enfrentamento da falta da ausência de fronteiras da CMC (Comunicação Mediada por Computador) autores recorrem ao plot do “filho bastardo”, abandonado pela família ao nascer. As três novelas, no ar, na Rede Globo, o mito Albertinho Limonta sobrevive como maldição: filhos procurando pais e mães...A síndrome dramática do gênero: novelistas procurando filhos perdidos na audiência.

Parando o Brasil

Informando aos leitores mais novos, Albertinho Limonta é o personagem da novela “O Direito de Nascer” de Félix Caignet, que assolou o Brasil no rádio na década de 50 e foi reproduzida na TV Tupi, duas vezes. Parou a nação, nos anos 1960, com a história do bebê rejeitado, interpretado por Amilton Fernandes. Criado por uma negra, Mamãe Dolores, mais tarde encontra a mãe verdadeira, freira, num convento e se apaixona, sem saber, pela prima. O avô maldoso sofre um AVC e não pode revelar a todos que Albertinho é seu neto...

O último capítulo foi representado no Maracanãzinho, lotado, no Rio de Janeiro e milhares de aparelhos ligados de norte a sul do Brasil. Curiosidade: “o serviço de controle do Departamento de Águas e Esgoto da Guanabara registrou que a população de Copacabana , durante o horário da telenovela, utiliza muito menos torneiras, chuveiros, cozinhas e até mesmo sanitários” (Fatos e Fotos, n° 237, 1965)

Só três histórias

“Existem apenas duas ou três histórias humanas, e elas vão-se repetindo sem parar, teimosas, como se nunca tivessem acontecido antes” é o suporte codificado por Willa Cather, em “The Pioneers”, que pode ser percebido na carpintaria dos autores de enredos repetitivos. Se o telespectador jovem, antes refém inocente de Xuxa, vai assistir outra vez à mesma história na telinha é melhor navegar na web e construir o modelo de identidade pessoal das comunidades, blogs e sites numa oferta cujo limite é o infinito. A independência da TV que gera a dependência da CMC.

Também o surrado “quem matou?” busca garantir migalhas de audiência. O autor cubano dos anos 60 na TV , Caignet, trouxe o mito como coisa nova e garantiu emoções. O diferencial da criatividade não pontua hoje a dramaturgia televisiva, não traz o inesperado, nem o envolvimento psicológico dos telespectadores. A herança da audiência não passou de pai para filho. Os historiadores listam o momento da “neotelevisão” como o do “reality show”, tipo BBB, “talk show” e clipes da família no Fantástico que a novela não ainda não consegue realizar. A minha novela seria interativa, com as lágrimas de Mamãe Dolores e sem o filho bastardo ou “quem matou?”

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