sábado, 16 de janeiro de 2010

Haiti: o sem sentido do trágico na TV



A cena jornalística de 2010 se estampa com fragmentos de horror por segundo. Tudo se transforma numa grande avalanche ou amontoados de ferros e tijolos como se o esteta do mundo enlouquecido quer destruir sua obra. Quando acredita-se que o pior já passou, um fato novo avisa que o pior está sempre por vir. Na literatura teatral busca-se o socorro para entendimento da dimensão do trágico ou tragédia para compreensão da realidade contemporânea. O termo tragédia determina que ocorra um evento, mesmo exterior à esfera humana, dotado de uma certa intensidade negativa. Os terremotos são sempre tragédias. A morte também. No trágico tudo perde o sentido. A realidade vivida e exposta no noticiário escancara uma realidade que não pode ser conceituada.

Portanto: se o homem é um dos pressupostos fundamentais do trágico, outro pressuposto não menos importante é constituído pela ordem ou pelo sentido que forma o horizonte existencial do homem. Evidentemente, a natureza da ordem varia: pode ser o cosmo, os deuses, a justiça, o bem, outros valores morais, o amor e até mesmo ( e sobretudo) o sentido último da realidade.


O sentido último da realidade é que o noticiário tenta reconstruir na cobertura da imprensa e que encontra em Aristóteles pistas de entendimento "(...) pois os homens são tais ou quais segundo o seu caráter, mas são felizes ou infelizes segundo suas ações e suas experiências”. Ali todos estão dilacerados, principalmente repórteres do mundo inteiro que não entendem qual a medida do homem no cenário onde o mundo não tem sentido. E é preciso mostrar, até onde é permitido, a tragédia em seu estado puro.




Cidadãos vagando pelas ruas de Porto Príncipe estão em busca do sentido último dessa realidade, onde não existem heróis e a vida se esfarela em mais um escombro que cai e o odor macabro da putrefação daquele corpo que ainda ontem cantava, amava, sorria e acreditava que tudo fazia sentido. Ali a mídia não revela heróis, os soldados são guerreiros, pois a dimensão da tragédia exige do herói um desconhecimento da realidade e um jogo de sombras que não são revelados ao final, como no teatro. Os reveladores do horror, repórteres do mundo inteiro, exercendo a sua atividade profissional, são torturados em sensibilidades e subjetividades que pulsam na tela da TV e parecem dizer ao mundo: tudo é tão terrível que agradeçam a cada minuto a Deus por suas famílias, amigos, amores, destino e com aquilo que Hegel chama de realidade substancial e objetiva.


O mesmo Hegel afirma que a ordem, o cosmo, é deslocado a favor do caos. Mesmo esse caos fica ínfimo perto do caos real da cobertura dos jornais, TV e da web de um mundo devastado por uma simples acomodação de camadas de terra. A personagem humana é reduzida a um átomo, um pequeno fragmento dentro da tragicidade cósmica: ela se perde em sua insignificância e todo seu esforço para saber qual é a sua culpa resulta em absurdo...não existem respostas para gritos e olhares. É como se a injustiça estivesse instalada no próprio Deus, desfazendo-se, em conseqüência, qualquer critério ou medida que possa aquilatar a injustiça. Aos heróis jornalistas só resta...não sei o quê! (Complete você, amigo leitor...)

2 comentários:

M.enal.i disse...

Gostei de quando você fala sobre o sgnificado da injustiça e da justiça. Sei que fica cada vez mais difícil estabelecer esta diferença, o que se sabe com certeza é que o nosso tempo está acabando e prazo é para todos e isso pode ser bem justo, se não fosse trágico!

Sou sua amiga do orkut e agora do blog..rs
Um Beijo

Cleia disse...

Eu diria que não pertence aos atos de Deus. Diria que pertence aos nossos próprios atos diante do tempo que se apresenta cada vez mais próximo de uma mudança definitiva para todos.
E uma boa oportunidade para todos do planeta de ajudarmos, não ao outro, mas a nós mesmos, pois tudo no fim, se reverte a nós próprios.
Ajudar com nossos próprios pensamentos puros, sentimentos de bons votos por todos, palavras de esperança e compaixão e ações de cooperação e tolerância, além do respeito pelo tempo e por Deus que está aí, após um longo período de ausência e por um breve momento, para nos transformar.
Agradeço, Robson!