sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Obama e o negro na TV


Estilo black face: Sérgio Cardoso, de cara pintada, com a atriz negra Ruth de Souza

A vitória de Barack Obama traz a felicidade da batalha vencida contra os absurdos da experiência humana. Os EUA vão ter que conviver eternamente com a sonoridade do nome do presidente eleito que remete a Osama, o Bin Ladem, o satânico algoz daquela nação. O fato histórico remete à reflexão ao papel do negro na sociedade, na perspectiva de nova ordem mundial e por analogia, aqui, ao aproveitamento dos atores negros na TV brasileira.

Desde as primeiras imagens de atores brancos interpretando negros com pesado make-up a Sérgio Cardoso vivendo com soberba competência um negro na novela A Cabana de Pai Tomás, baseada no romance H.B. Stowe, adaptada por Edy Maia, produzida em 1969, pela TV Globo, que não alcançou o sucesso esperado, a presença da negritude espelhada por brancos causou estranheza no público e na classe artística.

Nega maluca

Na caricatura musical assistiu-se atores brancos rebocados de preto cantando Boneca de pixe, ou o clássico Nega do cabelo duro ou saudando o carnaval com O teu cabelo não nega ou Mulata assanhada. O espaço para os afro-descendentes na TV limita-se à cozinha, prostíbulo ou senzala. Poucos se destacam no futebol e outros enchem a telinha de luz, magia e cores no carnaval. Enriquecem as emoções de cenas de assaltos, crimes hediondos ou com a favelização contemporânea da programação. Sim, a grande audiência da programação da TV aberta está concentrada na periferia das grandes cidades por isso a favela e o negro viram personagens do horário nobre.

História e preconceito

Aqui como lá, a diferença social traz o preconceito revelado com anos de escravatura. O primeiro anúncio da propaganda brasileira descreve um feitor procurando “um negro fugidio, de bunda grande”. Outros eram identificados por furos, cortes e cicatrizes no rosto o que caracterizou essa irracionalidade do mundo. Nos jornais de 1850 aparece “vende-se uma preta cozinheira de forno e fogão, boa lavadeira e mascata”. Outras “pretas” eram alugadas para amamentar. Vendiam o néctar da vida que a senhorinha não tinha...

Testemunho da luta

No universo da indústria cultural onde predomina o olho azul e a pele clara, o branco, os atores “cor de chocolate”, colored, “Negrinho do Pastoreio” ou protagonistas do cinema feijoada (iniciativa da associação de diretores e atores negros) são eternamente figurantes, pano de fundo, que pontuam a solidariedade, no estar por trás, para ser verdadeira a vida da cena. Hoje, iluminados como Thaís Araújo e Lázaro Ramos ganham papéis de maior visibilidade. Ruth de Souza, “embaixatriz da dor silenciosa”, um ícone da tela da TV e profunda conhecedora de cinema e o eterno Milton Gonçalves com camaleônica capacidade de renovação de personagens, do escravo ao político corrupto são referências. Zezé Mota, Chica Xavier, Jorge Coutinho, Jacyra Sampaio, Lea Garcia, Neusa Borges talentosos surgem em participações episódicas. E aquele sem números de rostos conhecidos, sem identificação nos créditos, que promovem a verossimilhança nas novelas com ambientação rural, na escravidão ou favela? Ainda estão sem o reconhecimento da empresas produtoras e não garantem lugar no mercado de trabalho. Outros são humilhados nos programas de humor. Sem citar a geração deserdada dos atores desaparecidos.

Mas o que Obama tem a ver com o universo da produção televisiva brasileira? O presidente eleito pela expressiva votação popular traz signos que representam a esperança de igualdade, de se escrever o novo capítulo da novela da vida, que Luther King idealizou para a história progredir: “Eu tenho um sonho que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver em uma nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter” Que os atores negros possam sobreviver e semear sonhos num mercado de brancos.

Um comentário:

Unknown disse...

Entrevista de Celso Prudente: "É evidente que os negros, os ibéricos, os ameríndios, os asiáticos não estão na TV, mas essa luta em favor do direito à personalidade existe. O negro se sente torturado diante de uma televisão em que ele só assiste ao outro e não consegue se ver. Nas poucas expressões - que são rarefeitas mesmo - ele é posto num processo de boçalidade, do inferior, do hilário, do desnaturado. Ele vai aparecer como o excessivamente engraçado, como aquele que não é, que não ama. É muito recente a presença das famílias negras na televisão. Quando o negro aparece numa novela, ele não ama, não tem amigo, não tem mãe, não tem pai, não tem irmão, ele não vai à quitanda e, mais grave que não ir à quitanda, é um personagem que não conhece o supermercado. Não conhecer o supermercado numa sociedade degenerada significa você não andar, você estar preso. A liberdade de uma sociedade degenerada, com relações meramente de mercado, é você consumir, porque quem vai pautar a televisão é o mercado e só agora é que a gente começa a ouvir falar dos produtos étnicos."